Foi depois de constatar que mesmo as expectativas mais teimosas são frustrações sem nexo quando o início delas é dentro da nossa carência, do caos dos nossos sentimentos. Eu percorri o caminho que costumava andar com você. O carrinho da pipoca não estava lá, e tinha chovido pela manhã. Estava nublado. Aquela ruazinha com casas e prédios bonitos agora tem uma pizzaria, um centro de pilates e um escritório imobiliário que eu acho que não tinha da última vez. Eu não gostei de sentir aquela rua em volta de mim, tão estranha, tão deslocada na presença de sua ausência. Eu detestei aquela sensação de que tinha alguma coisa quebrada com meus dias, especialmente com aquele dia; foi nostálgico, eu não deveria fazer esse tipo de coisa sem você. Fiquei olhando ao redor no caminho até a parada: eu conheço aquele bairro como a palma da minha mão, por sua causa. Era o nosso mundo. Engraçado, cada casa, cada árvore, cada metro quadrado de rua e calçada tinham pra mim um significado astronômico. Naqueles tempos havia a vida normal, com você do lado, e havia esse mundo onde você me guiava; e eu te seguia, eu te seguia de tão bom grado.
Quando penso na minha solidão naquela tarde, já atravessando a rua na direção da praça (e bateu um vento tão forte, e tão frio! estava tão frio, tão frio, que você nem imagina), lembro que eu fui invadida pela beleza de todas as memórias em que você está. Eu sei que não lembro de tudo, nos mínimos detalhes, mas eu tenho lembranças, eu me pego revivendo isso porque se eu parar de reviver eu esqueço, e eu não quero, e eu assisti Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças, e eu te esconderia em qualquer lugar da minha alma caótica pra não perder o que a gente foi, mesmo que eu soubesse, como agora sei, que eu não te encontraria de novo quando acordasse. Me bateu uma aceitação tão grande dessa distância, como se fizesse parte do curso das coisas, mesmo; não era pra ser, embora eu ainda garanta que meus filhos saberão seu nome e que eu, de certa forma, vou escrever meu caminho de volta pra você pra sempre, sabe? Aí veio uma gratidão por todo o universo lindo que você me apresentou, uma beleza que eu nunca seria criativa o suficiente pra descobrir sozinha, nem inventar. E uma gratidão porque eu não sou igual ao que eu era, acho que você mexeu na minha estrutura, bem lá no fundo, no inconsciente onde as coisas acontecem e onde a vida é líquida. Também teve uns arrependimentos nessa epifania, da péssima acompanhante de viagem que eu fui, mas aí o sinal fechou, e eu atravessei a rua, e fui andando, e cheguei na praça. Nem tive muito tempo pra ponderar todos os porquês. Talvez não sejam tantos. Talvez minha culpa seja irremediável, talvez tenhamos mudado permanentemente. Mas eu sinto falta de tudo em você. Da sua letra, das suas músicas, e do seu quarto. E da sua conversa, e dos filmes, e das histórias. E do seu cabelo. E eu sinto falta de sorrir com você. E de andar com você por aí.
Eu finjo que não, mas sinto uma saudade que, dependendo do dia e do lugar, consegue me derrubar por horas.
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