- não importa - digo. - importante mesmo era o entardecer, quando a gente estendia o dia, espremia até a última gota de poesia do sol. sempre tinha verso suficiente pra aquecer a noite que acabava chegando, teimosa. mas era tão fresco, o cheiro das flores que a gente colhia, que elas morriam no outro dia... - e paro, e penso, e tenho uma epifania. - acho que foi por isso que a gente acabou. a gente não conseguia guardar poesia pra o dia seguinte. tínhamos só o suficiente pra cada dia. - suspiro. - é urgente pra a humanidade inventar alguma forma de armazenar essas coisas simples, como fins de tarde. não acredito que com tanta tecnologia, ninguém pensou nisso ainda.
- e como você faz pra lembrar, agora?
- eu subo até o último andar do meu prédio, de tardinha. e insisto em ficar lá, vigiando o sol, calculando a hora que ele se rende, todo envergonhado, e vai embora. mas não sou forte o suficiente pra segurá-lo por tanto tempo. ela fazia isso com muito mais facilidade... - e estou até triste. - é coisa dificílima convencer o sol a ficar quando estou sozinha. não é que eu desgoste da noite. é só que às vezes sinto falta de dias mais longos.
mas é só isso mesmo.
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