terça-feira, 5 de novembro de 2013

a parte mais difícil

Aqui, onde a vida acontece, eu tenho um mundo de vidro silencioso em volta de mim. Tenho a impressão que perdi as cores no caminho que deixei pra trás. Algo nos meus olhos aconteceu, acontece, e não consigo mais enxergar nada como antes. Vou largando no caminho as razões que tinha pra lutar e as coisas nas quais pus meu deleite. Sobramos eu e o vidro. E o silêncio. Há uma inércia confortável nos meus passos. Não acelero e não paro. Ando, na mesma marcha mórbida, pra não desorganizar a mim e ao universo, concordando com o equilíbrio frio que os dias alcançaram. Mas não estou chorando. Que os deuses todos ouçam: não estou chorando. Uma das coisas que inevitavelmente larguei foram certezas. Não queria perdê-las, mas eram elas, ou minha sanidade. E tenho agora a roupa do meu corpo. E nem sei se tenho isso. Há uma memória, é claro, insistente e melancólica do que já tive e fui, mas soa como um eco que não é nítido o suficiente pra me fazer mudar. Surge essa vontade intrusa de gritar que não faz sentido no meio de tanta quietude, ou talvez faça sentido exatamente por isso. Mas não grito. Não grito. O som do nada me vence e me convence, me deforma e me molda em um negócio que eu não faço a mínima ideia do que é.
Não há ninguém aqui pra me perguntar porque eu estou andando, ou pra onde estou indo. E nesse nada quase absoluto, no cerne da solidão que não me enlouquece de vez por pura crueldade (lucidez... meu Deus. A lucidez.), não preciso falar em voz alta pra saber que há uma bagagem que ainda não perdi. Não vejo previsão de mudança na paisagem. Não tenho relógios nesse mundo transparente, invisível. Tenho a clara ideia de que vou sair daqui. Vou sair daqui. A luz vai atravessar esses espelhos todos e uma pedra infinita vai quebrá-los e espalhar luz sobre todas as coisas por trás do nada. E eu vou ver algo além do meu próprio reflexo. Vou ver algo opaco, e concreto, e vou ouvir música...

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