segunda-feira, 14 de julho de 2014

O último amor de Mr Morgan

Foi porque eu me dei conta da rara satisfação com a qual me presenteava, sempre, a solidão, que eu perguntei a ele se seria um grande incômodo o meu desaparecimento. Eventual, é claro. Só por uns dias. Vez ou outra, pra reconsiderar o nome que eu dava à cada parte, visível e invisível, do meu mundo. Aceitou, na condição de passar pelo menos as noites comigo. Nada de dormir só, nunca mais. E quando sugeri que eu talvez estivesse intencionalmente perdida e incomunicável, fugitiva e confinada ao conforto de um pedaço do planeta protegido dos milhões de telas, insistiu em mim. "Eu daria um jeito de te encontrar toda noite", riu-se.
É por isso que o amor e suas incertezas e vulnerabilidades achou por bem nos enroscar um no outro, porque as nossas liberdades, diminuídas pela interseção de nós dois, ainda dão um jeito de espiar uma à outra. E esse espaço comum que compartilhamos e assustadoramente cresce a medida que passam os meses já não é uma região seca, saturada de formalidades; é feita de umas fronteiras tão alargadas, costuradas com aquela beirada da gente que desfiou e a gente pegou a mania de puxar e aumentar mesmo sabendo que vai acabar com a nossa elasticidade. É porque dividir esse território faz valer a pena não abraçar de vez por todas aquele sentimento sagrado de andar livre. E porque eu gosto da ideia de não dormir sozinha.
A minha parte que é só minha nesse contrato, que ainda não foi dominada pelo avanço incontido e imperial das fronteiras do que andamos nos tornando, é feita de um conjunto de palavras e ideias e planos que ficam só no papel, quando no papel. Essa é a parte que ninguém entra. É o que eu tenho degustado nas últimas semanas, surpresa do quanto procuro formas de assim permanecer por muitos e muitos anos enquanto choro pela mesmice das paredes. A quem estou querendo enganar quando me convenço internamente que essa é a melhor vida possível, não sei, mas eu acredito, dependendo do dia. Por exemplo, hoje. Por várias razões: porque em Recife só tem vento frio assim uma vez no ano, e porque qualquer ser humano, eu acho, se sentiria pleno em caminhar seguro pra casa acompanhado de um inverno tão raro. Adoraria sentir falta de alguém hoje a noite. Mas estava tudo bem. Inevitavelmente eu desejei não ter companhia e não precisar fingir conversa nem riso. Essa é uma postura ofensiva e defensiva diante do mundo e das pessoas que eu me incomodo em ser, em ter.
Mas, e é aí que sou lembrada do amor, suas vulnerabilidades e incertezas e os espaços de interseção infinitos que ele insiste em empurrar na minha direção, não há vento frio que não sussurre abraço, riso que não peça por eco, corpo que não implore por colo, lágrima que não queira secar sem esperar pelo calor do sol e da manhã. E voltar pra casa, meu Deus, essas casas que a gente sai espalhando nas pessoas e que são a única lei da vida. Porque não pode ser que seja só da minha mobília que é feito um lar.