sexta-feira, 5 de setembro de 2014

tem certas coisas que eu não sei dizer

Eu não sinto saudades. Bastam-me paredes, livros e café. Basta-me meu corpo. Eu o sinto às vezes como uma entidade a parte, algo não-meu que me serve de companhia no silêncio.
O que eu sinto de realmente meu são os olhos. Conheço-os míopes mas apesar disso a autoconsciência às vezes é insuportável, é tudo o que tenho, tenho a cabeça. O coração, na maior parte do tempo, atrofia. Ontem à noite, na insônia da ansiedade, assombrada pelo meu amor à solidão, senti o coração um pouco embaixo das orelhas, pulsando sangue e expandindo audivelmente as carótidas externas, entregando ao meu cérebro o suficiente para manter a mente acordada e trabalhando. Eu estava cansada. Eu queria dormir. Mas ouvi o sangue, e o barulho era alto demais.
Lúcida. No escuro. E não importa, agora, o que pensei. Digo lúcida porque meus olhos não conseguiam fechar, mas na verdade, de manhã me arrependo da maior parte do que fui de madrugada. Acho que estava desperta, e a parte difícil é tentar descobrir quem eu sou, verdadeiramente; se sou o que pensei e senti antes de conseguir adormecer, se sou o que sou quando acordei e era de dia e havia luz (luz, digo, do lado de fora).

Mas estou falando da insônia, desse jogo besta de luz e madrugada, porque você está voltando e eu, bem, senti sua falta esses dias.
Senti saudade e você não foi de jeito nenhum uma ausência. Você esteve mais presente que nunca. Na minha pele, nas pontualidades casuais do dia em que você esteve realmente aqui, nas coisas que eu vi e não consegui compartilhar por telefone.
Você esteve presente na tristeza que eu não consigo te comunicar, embora ache que você entenderia, e aprofundaria, e esclareceria, e então me tiraria de lá pra dormir aconchegada no seu colo.
Senti saudades e confirmei meus planos de te amar e de querer ser amada por você, independente de quem eu seja, e de quem você é, se eu sou o que sou de dia ou de noite, se você é quem é perto ou longe.
Senti saudades e meu coração desatrofiou enquanto eu pensei em você.

Cada voz que canta o amor não diz tudo o que quer dizer
Tudo o que cala fala mais alto ao coração
Eu te amo calado, como quem ouve uma sinfonia de silêncios e de luz
Nós somos medo e desejo, somos feitos de silêncio e som
Tem certas coisas que eu não sei dizer
(Certas coisas, Lulu Santos)

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