Escrevo-as à lápis, num rascunho, e depois, com cuidado e caneta, depois de algumas revisões, transcrevo-a para um papel não amassado, e é assim que tento burlar a linearidade inevitável do tempo. O tempo me sussurra coisas que eu detesto. E calado, me diz que não há rascunho na minha história e tudo o que fiz todos esses anos, fiz à tinta. Sem segundas chances. Pensei que a carta era o Universo. Mas o papel sou eu, a carta sou eu, e o que fiz, embora tenha envolvido tantos nomes e papéis, fiz à mim, irreversivelmente. Eu queria me amassar, me jogar fora e pegar uma folha de caderno limpa. É por isso que passo mal quando volto àquele colégio, quando encontro essa pessoa depois de anos, quando ouço aquela música, lembro daquele dia. E também deve ser por isso que inconscientemente, apaguei minha infância da memória; pra evitar ter tantos detalhes nítidos da decoração do quarto, do susto ao ouvir os passos, da tarde de domingo nublada, da sensação de sair correndo pelas escadas, do coração acelerado, eles não podem saber, eles não podem saber. É por isso que quando tudo dá errado, eu quero me mudar definitivamente pra uma cidade onde ninguém saiba meu nome, talvez inventar outro nome, tentar me construir de novo (não sei o que me faz pensar que eu acertaria nessa segunda vez). É por isso que a amnésia me atrai. É por isso que me agrada a ideia de deletar posts muito antigos, formatar o pendrive, comprar cadernos novos: pela sugestão de um recomeço perfeito e ideal, que eu nunca vou conseguir, porque minhas mãos estão sujas da tinta que usei pra me escrever. Escrevi fora da rima e da linha, sujei o canto das páginas, eu nunca vou me apresentar de novo à Vida sem todas essas marcas, e me assusta pensar que essas marcas não fizeram algo comigo, elas fizeram a mim, como uma constituição necessária à minha natureza, minha história e meu nome, e não gosto disso de que sou feita, e tudo isso me dá vontade de chorar.
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